À conversa com Mara Tomé!

0 Comentários

À conversa com Mara Tomé!

Esta conversa foi mais que inspiradora, esta Mãe é um exemplo. 🙏

Dou-lhe os parabéns por todo o trabalho que tem feito com as suas gémeas  e agradeço por esta partilha.

Tão bom poder conhecer e partilhar esta história especial.

Fiquei emocionada.

❤❤

 

Aos Pares: O que é para ti ser mãe?

M: É tudo. Tenho a certeza absoluta que nasci para ser mãe. Mesmo sem livro de instruções, mesmo entre berros e casa desarrumada. Mas é andar de coração tão cheio que parece rebentar, é ver o meu coração bater fora do corpo em dois seres tão perfeitos, tão meus. É tudo.

 

Aos Pares: Qual a tua reação quando soubeste que estavas grávida? E quando percebeste que eram 2?

M: Foi extremamente fácil engravidar. Devido a um problema de saúde do meu marido na adolescência, foi-lhe dito que jamais viria a ter filhos. Não só veio como foi logo em dose dupla! Soube que estava grávida por causa de um “pneuzinho” que não queria ir embora e que me levou a fazer o teste eheheheh Soube que seriam dois, na maternidade, numa ida ao serviço de urgência por causa de uma enxaqueca debilitante. Foi na troca de turno do pessoal médico, por isso, foi interessante: a sala estava cheia e toda a gente se debruçava no monitor do ecógrafo a verificar bolsas e bebés. Eram, na realidade, três bolsas, todas ligadas à mesma placenta, mas só duas tinham bebés. Foi um choque apesar de sabermos que a nossa possibilidade de vir a ter gémeos era altíssima pois há na família – no meu lado e no lado do marido! O meu marido só dizia “eu sabia, eu sabia que eram dois!”

 

Aos Pares: Sempre desejaste ter mais que um filho, qual o teu número ideal?

M:Sim, sem dúvida. O meu marido é filho único, mas eu tenho uma irmã e adorei. Não queria ter um filho único. Com gémeos ficou logo tudo resolvido. Ainda pensámos numa segunda gravidez, mas a vida trocou-nos as voltas. Mas, durante uns tempos, ainda ponderámos mais um pa

 

Aos Pares: A tua gravidez correu bem? Alguma recomendação para as grávidas durante a gravidez?

M: A gravidez foi extremamente complicada: estive internada imenso tempo, por 3 vezes distintas, com ameaça de parto pré-termo às 24 semanas, contractibilidade dolorosa, cólicas renais. Fiquei de cama desde as 24s até às 35s+5, altura em que nasceram com 2,430kg e 40 cm – ambas! O marido diz que são a nossa maior obra de engenharia.

Recomendo que sigam as instruções dadas pela equipa médica e aproveitem cada segundo pois é uma altura de felicidade suprema. Tirem muitas fotos da barriga e façam muitos vídeos dos movimentos. Um dia recordarão com saudade e os filhotes surpreender-se-ão por terem sido tão pequeninos e abençoados.

 

Aos Pares: Quais são as tuas rotinas diárias como mãe e mulher?

M: Para evitar confusões logo de manhã – apesar de as minhas gémeas serem extremamente madrugadoras -, muitas coisas ficam preparadas de véspera (banhos, roupa para o dia seguinte, mochilas para a escola). De manhã, elas já preparam e tomam o pequeno-almoço sozinhas (já têm 10 anos!) e arranjam-se para a escola. Eu tomo o pequeno-almoço e preparo os lanches do dia para elas e para mim, visto-me e maquilho-me (rapidamente) e saio para a escola. Durante o dia, vou aproveitando os intervalos de horários livres entre aulas para tratar da casa, preparar materiais para as minhas aulas, adiantar almoços/jantares, organizar o dia seguinte, etc. Quando não tenho aulas até muito tarde, vou buscar as gémeas à escola e ou ficam comigo até ao final do resto das aulas ou estão com a avó ou em casa com o pai. Temos depois TPC para fazer, aulas de bateria e piscina uma vez por semana, e brincadeira. O jantar é às 20h. A partir daí, é tudo muito rápido: banho, organização das coisas para o dia seguinte, ler um pouco em conjunto, beber leitinho, lavar dentes e cama, lá para as 21h30. Eu ainda vejo umas séries ou leio ou trato de roupa ou aulas, até ir dormir.

 

Aos Pares: Consegues conciliar a vida de mãe com o trabalho?

M: Sem sombra de dúvida. A minha vida fica um vazio imenso quando, depois das férias, as minhas filhas têm de voltar à escola. A casa não parece a mesma. Adoro o que faço e tento conjugar os meus horários com os delas. Além de trabalhar numa escola (horário incompleto), tenho outra atividade letiva cujo horário eu construí a partir do horário das gémeas. Não faz sentido se não for assim, até porque, muitas vezes, nesses horários temos que incluir horas extra de terapia.

 

Aos Pares: Qual o papel do Pai aí em casa?

M: É tudo. Faz exatamente o mesmo que eu e desdobra-se tanto quanto eu. Desde o 1º dia que é algo do género “eu trato de uma, tu tratas de outra” quando estamos juntos. Ajudamo-nos imenso e tentamos educá-las para que vejam que o papel do pai é tão importante quanto o da mãe e que a presença dele é muito valiosa.

 

Aos Pares: Qual o episódio mais divertido e o mais caricato que tiveste com os teu filhos?

M: Não temos momentos estanques: a nossa vida é uma montanha russa. Acho que os momentos mais divertidos foram quando enfiaram um tutu de bailarina na cabeça com coroa e tudo e diziam que iam casar com o pai. Mais recentemente, são questões relacionadas com a linguagem e a interpretação do que ouvem e suscitam assim umas saídas à Sheldon da série “The Big Bang Theory”.

O mais caricato foi, na altura das caixas prioritárias, um homem com uma barriga enorme estar à espera nessa caixa e uma delas ver os sinais a indicar que tipo de prioridade existia e perguntar, o mais naturalmente possível, se o homem também estava grávido para estar naquela caixa porque barriga tinha ele… A ausência de filtros sociais, associado ao espectro do autismo, proporciona-nos umas cenas assim.

 

Aos Pares: Qual o maior susto que apanhaste como Mãe?

M: Já tive a minha dose de sustos… Os maiores foram: uma delas ter fugido para a beira da estrada e ter sido agarrada antes de passar um camião; outra ter bebido algo que não devia e termos ido ao hospital com direito a internamento e endoscopia no bloco operatório com anestesia geral; ambas terem partido a cabeça; outra ter quase partido o nariz… As dificuldades de coordenação, a hiperatividade e a falta de noção de perigo delas naquela fase pregaram-nos uma série de sustos.

 

Aos Pares: As tuas gémeas estão no espectro do autismo. Como defines essa perturbação?

M: Se formos pelas noções clínicas, sabemos, de forma muito sucinta que o autismo é uma patologia neurológica, uma disfunção cerebral, sem causa conhecida e sem cura. Afeta, sobretudo, três grandes áreas: comportamento, comunicação e interação social.

Para mim, é tentar ver o lado positivo deste monstro que me roubou as filhas, que lhes roubou a hipótese de uma primeira infância típica e igual às dos seus pares, é, todos os dias, todos mesmo, relembrar-me do caminho que já percorremos e do quanto conseguimos alcançar porque nos recusámos a aceitar o autismo como uma sentença. Assim, em forma de lista, cá em casa, há também este lado do autismo:

Uma lente alternativa com que vemos o mundo;

Uma perífrase – a parte pelo todo, a capacidade de ver os pormenores e os detalhes antes de se ver a imagem completa;

A atenção pormenorizada ao mundo que nos rodeia;

O evitar do caos, da confusão, do excesso de estímulos, de fatores de ansiedade;

Uma memória eidética, um calendário humano sempre presente, uma fotografia viva descritível em palavras;

Uma habilidade extraordinária para encontrar estruturas e rotinas numa ação/acontecimento/vivência nova;

Um excesso de zelo e brilhantismo académico, profissional e pessoal, uma procura pelo perfeccionismo;

Uma aptidão quase natural para o autodidatismo;

O conhecimento infinito e infindável acerca dos seus interesses;

A literalidade das palavras, sem sentidos dúbios;

O não ter qualquer problema em levantar-se cedo

A existência da mentira inocente;

O ser-se único dentro da monozigoticidade, do género, do espectro, da espécie;

A capacidade impressionante e constante de surpreender;

A aprendizagem e o agradecimento constante das pequenas coisas…

… (lista em atualização constante)

 

Aos Pares: Como lidas com o autismo no dia-a-dia?

M: Para nós pais, (con)viver com o autismo é não o aceitar de todo, não permitir que ele roube às minhas filhas – a nós família – mais do que já roubou, não abdicar de lhes proporcionar a felicidade que merecem. Em, contrapartida, é um processo constante e infinito de aprendizagem. Tivemos (e ainda temos) que aprender a ver o que nos rodeia de forma diferente – não errada, não estranha, não especial, apenas e somente diferente – e a não tomar tudo como dado adquirido ou como garantido. O mais pequeno esforço na conquista de uma vitória (que pode ser tão simplesmente a vocalização de um som) é um excelente motivo de comemoração. Passámos, assim, a comemorar todas as pequenas coisas.

Como pais, tornámo-nos experts em imensas áreas, num curto espaço de tempo: legislação e burocracia escolar; acrónimos/siglas/abreviaturas da medicina relativas ao autismo; identificação de questões comportamentais em segundos; os nomes corretos (handflapping, parassónias, estereotipias, risperidona, etc. é só dizer!); leitura de estudos/ensaios/textos/pareceres/etc sobre o autismo em si mas também sobre fármacos/terapias/apoios/etc.; reprodução dos exercícios de terapia da fala; capacidade de transformar a nossa casa num gigantesco ginásio de terapia ocupacional (até certa idade); gestão financeira ; carreiras adiadas por um hoje mais certo e presente em tudo (todos os momentos, todas as terapias, todas as consultas, todos os despistes, todos os exames e avaliações); peritos em processamento auditivo/linguístico/exercícios oro-motores/consciência fonológica.

Apesar de nem sempre nos apercebermos, fomos e somos capazes de uma força imensa que nos impele para lutar sempre e mais pelas nossas filhas. São, sem dúvida alguma, a maior razão e a maior prova de que é possível seguir em frente e acreditar num amanhã melhor. Mesmo que isso implique uma montanha-russa de sentimentos, emoções, incertezas.

 

Aos Pares: Como é a agenda dos teus filhos? E a tua?

M: Já foi ocupadíssima, onde até as horas de brincadeira estavam agendadas para que eu pudesse relembrar os técnicos e os médicos de que essas horas eram sagradas. Abdiquei da minha carreira por elas (fá-lo-ia de novo) para poder estar sempre presente e aprender mais e mais para as ajudar. Até aos seus 7 anos, tínhamos, fora do horário escolar, terapia da fala, muitas vezes, até às 20h; piscina 2x por semana até às 20h; 1h motricidade ao sábado; consultas em horário laboral as vezes que fossem necessárias, por vezes, até no serviço de urgências; psicóloga uma manhã.

Neste momento, aliviámos imenso esta carga e, como têm as terapias na escola (Terapia da Fala e Terapia Ocupacional), mantemos apenas, em caso de necessidade, o reforço de terapia da fala, as aulas de bateria e a piscina (1x/semana). Dada a evolução tremenda a nível motor, de coordenação e equilíbrio, já não têm motricidade ao fim de semana.

A minha agenda é a agenda delas. É em torno das necessidades delas que organizo a minha vida e, quando dá, o meu trabalho.

 

Aos Pares: Qual o maior desafio de ser Mãe de gémeas dentro do espectro?

 M: É, acima de tudo, o querer ajudar ambas, o querer chegar a ambas, mas não poder fazer de forma igual porque, apesar de gémeas monozigóticas, há diferenças no espectro, ainda que sejam ambas autistas de alto funcionamento. Foi extremamente complicado quando eram mais pequenas: usaram fralda e carrinho bengala duplo até aos 5 anos porque eram extremamente ativas; todos os dias me telefonavam da escola; tinham meltdowns (crises sensoriais extremas, mas que os outros viam como birras) sucessivos… Foi extremamente cansativo. A certa altura, precisei de apoio médico. Depois, devagarinho, foi melhorando. Neste momento, o nosso maior desafio é mesmo a escola: estão numa turma do ensino regular, com as devidas adaptações legais, e têm conseguido chegar onde chegam os outros. Fartamo-nos de estudar, fazer resumos e exercícios, mas vemos resultados, o que as enche a elas e a mim de orgulho. Temos de estar atentos, desde o início do ano, para ver se todos os trâmites legais estão a ser cumpridos. Somos as mães chatas, com demasiados conhecimentos em muitas áreas…

 

Aos Pares: Qual o teu maior desejo e o teu maior medo como mãe?

M: O nosso maior desejo, como pais, é que, acima de tudo que sejam felizes, com memórias e vivências felizes, autónomas, independentes e capazes.

Temos medo do futuro, da sociedade atual, nem sempre cremos que seja justo retirar as nossas filhas do mundo estruturado e isolado delas para se imiscuírem no nosso caos, mas sabemos que, por muito mínimas que sejam, as suas evoluções mostram que é possível viver entre dois mundos. No entanto, o meu maior medo é sem dúvida o da doença e da morte. Chega a tirar-me o ar e a parar-me o coração.

 

Aos Pares: Como gostas de passar o teu tempo em família?

M: Ou no conforto do nosso lar ou em passeio. As minhas filhas adoram andar de carro, por isso, não há problema. Mas, desde que estejamos juntos, temos tempo e vontade e disponibilidade para tudo e aproveitar esta fase em que ainda querem brincar… Daqui por mais 2 anos, tenho as minhas dúvidas que ainda o queiram fazer eheheheh

 

Aos Pares: Os filhos dão-nos muitas alegrias, qual a maior que tiveste?

M: Sem dúvida alguma, quando começámos a conseguir conversar com elas, com trocas de turnos de forma espontânea. O que surgiu por volta dos 5 anos. Acho que foi mesmo um grande grande marco adquirido.

 

Aos Pares: O que recomendas em especial para uma Mãe com filhos no espectro, em especial se forem gémeos?

M: Ser mãe de gémeos no espectro só dá um pouquinho mais de trabalho. Temos de ser, acima de tudo, muito práticas e saber aproveitar bem o tempo com eles: marcar terapias em conjunto, conjugar os horários para que tenham tempo para tudo e brincar muito. E, como são dois, o ideal é educá-los para serem sempre os melhores amigos e o suporte um do outro pois ninguém consegue entender o que vivem e sentem melhor do que eles.

E, por muito difícil que seja, dar tempo ao tempo. É preciso tempo para cimentar aprendizagens, para evoluir, para estudar, para amadurecer. Nunca duvidem da vossa intuição e coloquem isso a vosso favor. Nos dias muito difíceis e negros, verão sempre uma réstia de luz que vos ajudará a seguir em frente.

 

Aos Pares: Como são as vossas saídas, desde as mais simples a uma viagem, por exemplo?

M: Quando saímos, todo um processo de aprendizagem implícita é colocado em marcha: treino de competências sociais, autorregulação comportamental e sensorial, jogo simbólico, alternância de turnos em diálogos, interpretação de expressões faciais de terceiros, decisão e escolha, etc etc etc. “Never a dull moment”, como dizemos entre nós, mães e pais de crianças com autismo. Mas nunca jamais desistimos de sair. Vamos para todo o lado, desde uma simples ida ao supermercado ou a uma mais longa como repartições públicas e até viagens. Este Verão, conseguimos ir passar um fim de semana a Espanha. Foi das coisas mais incríveis que alcançámos recentemente.

 

Aos Pares: O que gostarias que as pessoas soubessem sobre o Autismo?

M: Começaria por dizer o que ao autismo não é para depois perceberem o que é. Acima de tudo, é um desafio constante e o nunca mas nunca ter um momento de sossego. Não é uma doença: é uma perturbação neurológica que afeta 3 grandes áreas de desenvolvimento: comunicação/linguagem, interação, comportamento.

Não é contagioso, não se “apanha” nem se “ganha” autismo. Não tem cura (até ao momento). Não é confirmado com um simples exame de sangue nem sequer (ainda) através de testes genéticos generalistas. Não é causado por vacinas, aliás, não se conhece ainda a sua causa. Não é high functioning na maioria dos seus casos. Não é culpa de ninguém, não resulta de nenhum tipo de negligência. Não impede que um indivíduo com este diagnóstico não possa ter uma vida o mais natural possível com os devidos acompanhamentos.

 

Aos Pares: Ser mãe é…

M: É ter tanto de dúvidas como de certezas; é aconchegar os lençóis todas as noites e ficar parada no escuro do quarto a ouvir a respiração e a sentir o cheiro das nossas filhas e saber que faria tudo de novo por elas, que daria a vida por elas; é amar tanto tanto tanto que até dói; é saber, sem dúvida nenhuma, que o que sentimos é amor para a vida toda.

 

Obrigada! ❤

À conversa com Andreia Marques!
À conversa com a Nutricionista Sara Biscaia Fraga - 1
0 Comentários

Deixe um comentário